quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Quem é Renato Bandeira?

       E por falar em Renato Bandeira, ontem, dia 29 de novembro, ao sair da UNEB em Seabra, passei no restaurante do Hotel Chapada e me deparei com o escritor e historiador Renato Luís Bandeira sentado em uma mesa fazendo anotações. Fui até ele, me apresentei, já tinha estado com ele antes em outra ocasião e ele lembrou. Conversa vai, conversa vem, ele falando do novo livro que vai ser lançado sobre o coronelismo na Bahia, falando de fatos ocorridos em Piatã e Abaíra, e o tempo passou, ficou tarde e tive que pegar a estrada, que pena. Renato Bandeira é daquelas pessoas que você tem prazer em vê-lo falar de História, sabe tudo sobre a história na Chapada Diamantina, a ocupação, sobre os mineradores, o início da colonização na Chapada, enfim, sabe tudo de História. Um pouco do grande Renato Bandeira para vocês.
                     
                                            
Alguns de seus livros sobre a Chapada Diamantina          


Renato Luís Sapucaia Bandeira é descendente da tradicional família Bandeira da Bahia.
Desde cedo, ainda na adolescência, quando estudante nos Colégios Maristas e Antônio Vieira, interessava-se pela história e a cultura de modo geral. A partir de 1971, trilhou pelos caminhos da ufologia e acabou por aportar no tema arqueológico, dedicando-se inteiramente à pesquisa de uma civilização antiqüíssima perdida no sertão baiano, transportando-o definitivamente para a região da Chapada Diamantina. Nesta região fundou o jornal Correio da Chapada (1989), Revista Municípios da Bahia (2002), desenvolveu trabalhos na área da espeleologia quando diretor do SBE-BA. Realizou exaustivamente pesquisa histórica com remanescentes que se envolveram no conflito com os revoltosos da Coluna Prestes, resultando na participação de documentário para TVE sobre o tema. Foi Secretario de Turismo e Meio Ambiente em Jussiape promovendo expedições exploratórias no município, as quais, foram documentadas para o programa Esporte Radical da TV.
Proferiu diversas palestras voltadas para a historiografia baiana escrevendo vários livros, inclusive infantis, além de produzir revistas políticas e turísticas. Produziu também pioneiramente e de forma inédita mapa turístico da Chapada Diamantina sobre imagem de satélite e, ainda, cedeu dezenas de entrevistas para jornais e revistas da capital, além de contribuir com seus artigos assinados nos mais variados temas. 
É sócio efetivo do Instituto Geográfico da Bahia desde 1985, presidente da Academia de Letras e Artes da Chapada Diamantina e, recentemente, integrou a Casa do Escritor Baiano.
Como jornalista e editor manteve ativo o periódico Correio da Chapada por 22 anos veiculando artigos de interesse diversos, sobretudo, voltado para a história.
Atualmente residindo em Nova Redenção, Renato Bandeira ao tempo que escreve novas obras, se envolve com a criação do seu Instituto Histórico e Científico  Chapada Diamantina, que passa a ser doravante, a sua menina dos olhos.

http://wwwrenatobandeira.blogspot.com/

                                                        
                                                                                 Renato Bandeira

A Coluna Prestes Passou em Abaíra -Ba

Em Catolés, município de Abaíra, um grupo de revoltosos subiu a Serra da Tromba, vindo de Inúbia e desce a ladeira da vila levando o terror para o seio da pacata sociedade catoleense. Renato Luís Bandeira fala sobre isso no livro Chapada Diamantina, História, Riquezas e Encantos:

Em Catolés, no município de Abaíra, quando um grupo de revoltosos entrou na vila atirando a esmo, atingiu logo na entrada da rua de Baixo a porta da casa que pertencia à velha Maria Rita, mãe do popular Medrado. Nesse exato momento, passava pelo local o jovem Francisco Alves, que, em depoimento cedido ao autor em 1985, afirmou que a patrulha ao entrar em Catolés, estava composta de 23 ou 24 revoltosos... BANDEIRA, 1998, p.72/74.

Ainda no município de Abaíra, há relatos que na vila de Curralinho, o grosso da Coluna, inclusive Prestes, Miguel Costa e outros de maiores patentes, ficaram “hospedados” numa casa da localidade, esperando o Rio Água Suja baixar suas águas para que pudessem atravessar para o outro lado rumo ao município de Rio de Contas. Essa informação foram checadas e confirmadas com moradores mais velhos e com parentes de moradores que passaram a vida toda contando os momentos de medo e apreensão vividos naquela época. Inclusive confirmado que o comandante Prestes fez questão de pagar a hospedagem.

Obs: Esse texto, é parte integrante de um artigo científico escrito pelo autor do Blog para o curso de História da Uneb.


  Renato Bandeira, autor de muitos livros sobre a Chapada e sobre o coronelismo , em Catolés, Abaíra -Ba onde residiu por anos. 

sábado, 12 de novembro de 2011

O Cangaço segundo Walfrido Morais

Vejamos o que diz Walfrido morais sobre jagunços, no seu "Jagunços e Heróis"

"Não se confunda, aliás, o jagunço com o bandoleiro ou o cangaçeiro. Não obstante a capacidade de luta e a coragem inolvidável de uns e outros, temos de convir que, enquanto o primeiro foi um homem de trabalho, entregue à pastorícia, à lavoura ou ao garimpo, raramente mercenário profissional, pegando em armas coletivamente somente quando uma causa social ou política estava em jogo dentro dos limites do seu universo, o segundo, apesar de, vezes não raras, ser igualmente uma vítima das espoliações e das injustiças e fruto de uma revolta incontestável, entregava-se desenfreadamente à prática do crime, do assalto e do saque aqui e alhures, cobrando de uns aquilo que outros lhe tomaram ou lhe negaram, numa espécie dolorosa de vingança contra o mundo"

MORAIS, Walfrido. Jagunços e Heróis – A Civilização do Diamante nas Lavras Diamantina da Bahia. Civilização Brasileira, 1963.


sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O cangaço e o poder dos coronéis


As relações entre os cangaceiros e os coronéis
Durante a República Velha as oligarquias rurais mantiveram sob sua tutela praticamente todo o domínio político do Brasil, entretanto, o poder do coronel encontra suas origens ainda durante a Colônia, quando a Coroa se valia dos proprietários para manter o controle sobre as regiões mais ermas. Por este motivo conferiu-se a estes homens poderes políticos e militares, atuando como representantes da Coroa em suas regiões. Não demorou muito para que estes indivíduos se fortalecessem e se transformassem em líderes políticos autoritários e de grande influência local.
A denominação “coronel” veio com a criação da Guarda Nacional, em 1831, que conferiu aos chefes locais das antigas Ordenanças tal título. Mesmo após a extinção da Guarda, o uso desta alcunha permaneceu e o poder daqueles que a carregavam não sofreu nenhuma alteração, ao contrário, foi se intensificando ainda mais com o passar do tempo, atingindo seu auge na República Velha.
Neste período, a política nacional era determinada pelos coronéis, que apesar de não se envolverem diretamente, usavam a sua influência para fazer com que as decisões do poder público se direcionassem a favor de seus interesses. Além disso, era comum que os funcionários públicos fossem escolhidos pelos grandes proprietários, seguindo um critério de confiança pessoal, numa atitude que manifesta o caráter particularista, voltado para as vontades particulares, da política coronelista da República Velha.
Foi justamente no contexto do apogeu do poder do coronelato, quando esta elite exercia com maior veemência sua autoridade e seu autoritarismo, que surgiram os grupos de cangaceiros. Neste sentido, o cangaceirismo ganhou corpo a partir da rebelião de muitos sertanejos que haviam sido vítimas de desmandos, perseguições, humilhações e violência dos poderosos coronéis locais. O banditismo se configurava para essas pessoas como a única oportunidade de se fazer justiça e de fugir da precariedade e da miséria a que estavam condenadas por uma sociedade marcada pela desigualdade.
            Porém, o movimento que se iniciou como contrário à dominação do coronelato em pouco tempo acabou sendo por ele cooptado. Associando-se aos potentados regionais, os cangaceiros tinham a garantia de um local seguro para se esconder da polícia e para se abastecer de alimentos e armamentos. Os fazendeiros que davam proteção aos cangaceiros ficaram conhecidos como “coiteiros”.
            A constituição de uma rede de coiteiros foi fundamental para a sobrevivência dos bandos. Nos momentos em que se encontravam mais fragilizados, famintos, feridos e sem possibilidade de continuar fugindo do cerco policial pela caatinga, era com a ajuda dos coiteiros que os cangaceiros poderiam se recuperar, restabelecer as forças sem serem incomodados pelas tropas volantes e, assim, prolongar a existência do grupo.
            Mesmo Lampião, o mais célebre dos cangaceiros, precisava do auxílio de coiteiros, grandes responsáveis pela longevidade de seu bando;
“O sucesso de Lampião apoiava-se na rede de coiteiros e no abastecimento constante de armas. Sustentava-se pelo suborno e pelos tratos entre o cangaço e o coronelismo, que definiam zonas livres de perseguição e indicavam áreas onde os cangaceiros podiam cometer seus assaltos. Essas áreas pertenciam naturalmente ao ‘território inimigo’, redutos de políticos ou famílias contrárias aos protetores de Lampião.”
            Por outro lado, os coronéis também se beneficiavam com as alianças que estabeleciam com os cangaceiros, que em troca do “acoitamento” se colocavam a serviço do potentado, agindo como uma espécie de milícia. Os latifundiários se valiam dos cangaceiros para empreender ações cujo objetivo era a disciplinarização de seus agregados e a intimidação de seus inimigos políticos. Sob esta perspectiva, os cangaceiros tinham a função de mantenedores da ordem social vigente, garantindo o controle do coronel sobre a população pobre e sobre a política local.
            A partir disso nota-se que o cangaceirismo não se tratava de uma forma de contestação das estruturas sociais baseadas no latifúndio, mas fazia parte deste sistema, era mais um instrumento de afirmação do poder do coronelato e de dominação:
“Nas áreas governadas por proprietários de terras pré-capitalistas, o jogo político lança mão das rivalidades e relações das principais famílias e de seus respectivos seguidores e clientes. Em última análise, o poder e a influência do chefe de tal família repousa no número de homens que ele tem a seu serviço, oferecendo proteção e recebendo, em troca, aquela lealdade e aquela dependência que são a medida de seu prestígio e, conseqüentemente, de sua capacidade de estabelecer alianças: comanda assim as lutas armadas, as eleições ou que mais determina o poder local.”
            De fato, cangaceiros e coronéis estabeleceram uma relação de certa forma simbiótica, na qual os potentados usavam o apoio dos bandoleiros para reafirmar seu domínio e fortalecer seu poder, enquanto os cangaceiros necessitavam dessas alianças para continuar sobrevivendo, aproveitando-se da segurança que elas podiam oferecer.
            Observa-se que essa acomodação de interesses, expressa por uma convivência em certa medida amistosa, revela justamente o contrário do que o mito do cangaço pressupõe: os grupos de cangaceiros não agiam com o objetivo de contestar a ordem social estabelecida, suas ações não eram protestos contra o latifúndio e o sistema coronelista, mas, e primeiro lugar, uma estratégia de sobrevivência, uma maneira de fugir das imposições da seca, da fome e da miséria.
 Em segundo lugar, eram atos de vingança pessoal, pois neste sentido os cangaceiros:
“São menos desagravadores de ofensas do que vingadores e aplicadores da força; não são vistos como agentes de Justiça, e sim como homens que provam que até mesmo os fracos e pobres podem ser terríveis.”
Analisando esse ponto é possível perceber uma tentativa de imposição de um poder análogo ao poder dos coronéis, mas que em nenhum momento pretende questioná-lo ou derrubá-lo, ao contrário, apóia-se nele para se estabelecer e para permanecer funcionando. Tal poder se refere àquele que se baseia na força e na “macheza” e do qual os latifundiários também lançam mão para impor seu domínio.
Sob esta ótica, observa-se que se para os coronéis a violência é uma maneira eficaz de manter sob controle os sertanejos pobres e se sobrepor a seus rivais nas questões políticas, para os cangaceiros esta mesma violência é um instrumento para fazer justiça, na medida em que seu conceito de justiça está diretamente vinculado à “lei do mais forte”:
“A justiça baseia-se na força – as leis do país são uma abstração na caatinga. Essa força, ao ser exibida, prestigia quem manda, pois ressalta a ‘macheza’ do mandante. Por sua vez, ao executar as ordens, distribuindo surras e provocando mortes, o cangaceiro cresce no conceito popular, pois demonstra que também é macho.”
Esse tipo de idéia de justiça e de lei demonstra a ausência do Estado no sertão do Nordeste, dando margem para o fortalecimento dos coronéis e para a aplicação indiscriminada do seu poder, cujo mecanismo básico é a perpretação da violência através de seus capangas, entre eles os cangaceiros. Dessa forma, a aliança entre cangaceiros e coronéis promove a consolidação de um poder muitas vezes alheio ás determinações do Estado, que institucionaliza a violência tanto dos potentados quanto dos bandoleiros.
Diante da análise de tais elementos considera-se que as articulações entre o cangaço e o coronelato foram fundamentais para a afirmação de ambos os lados. Sob esta perspectiva, percebe-se que o mito do “bom cangaceiro”, que age em favor dos pobres, lutando contra o sistema e tirando dos ricos para dar aos mais humildes não se sustenta. O que ocorria de fato era uma tentativa dos cangaceiros de atender aos próprios interesses, de dar vazão a suas indignações e de garantir sua sobrevivência.
Realmente, as condições sociais injustas, o autoritarismo dos potentados e a miséria na qual estavam submersos fomentaram o espírito de revolta dos cangaceiros, entretanto, este não tomou a forma de revolta social. O que se via na verdade era a opressão do sertanejo pobre por indivíduos da mesma origem, agindo em nome dos poderosos, colaborando para a manutenção de uma estrutura de exploração da qual eles mesmos haviam sido vítimas.
Lampião e seu bando degolados e expostos em praça pública